domingo, 25 de fevereiro de 2007

Pai Francelino se encantou


Pai Francelino vai deixar muita saudade.
A primeria vez que conheci o Pai Francelino foi na casa de uma filha de santo dele, a Iracy de Aguê, perto do Jardim Zoologico.
Fiquei, no começo, levemente desorientado, pois nunca imaginava que o pai de santo incorporaria tão repentinamente. A festa nem tinha começado e Pai Francelino já não estava mais. Dai pra frente eu só me atrapalhava, e chegou no ponto em que chamei a Thoya Jarina de Pai Francelino, e Seu Raimundo de Cabocla Mariana. Bem, Seu Raimundo não gostou muito. Mandou parar o candomblé e na frente de todo mundo, do alto de sua cadeira, indagou: "Quem é você? O qué vc quer, aqui?"
Eu estava tão surpreso (só eu, já que os da casa sabem que os encantados fazem o que querem) com tudo que nem sabia responder. Pensei, 'nossa, o Pai Francelino sabe por que eu estou aqui, então deve ser um encantado que esta falando, qual será?"
Respondi que estava lá para registrar o candomblé e tentar mostrar sua beleza para o resto do mundo. Seu Raimundo mandou todo mundo me aplaudir, com tom irônico, é claro.
Na casa do Francelino também era dificil acompanhar o vai-e-vem dos encantados. Cabocla Mariana fazia a festa, enquanto Jarina entrava e implicava com Mariana, criticava o "Pai Francelino", e mandava todo mundo dançar melhor. No final da festa a Cabocla Mariana juntava todo mundo. Lembro que pensava que algo sobrenatural acontecia nestas noites. Ficava pasmo com o linguajar dos encantados, com a riqueza e os detalhes de seu comportamento. Muitos amigos meus são atores, e dos melhores. Mas os encantados saiam de outro lugar. Não são personagens bem ensaiados. Os encantados mudam a realidade, chegam e falam e perguntam o que querem, e a gente entra em outra esfera, pensa e fala coisas que não falamos para outros.
Antes do último Congresso de Diadema marcamos um encontro na casa de uma filha dele que fazia aniversário. Estavam lá os mais velhos da casa, como Márcio de Boço Jara e Leonardo de Doçu. Nem tinhamos acabado o jantar, em que Pai Francelino contou altas, longas, reveladoras historias sobre seu Pai Jorge Itacy, do Maranhão, e Mariana já estava lá. A mudança se passa mais naqueles presentes do que no Fancelino em si. De repente as pessoas correm atrás de copos, e mais copos, e muita cerveja. Quando isso acontece é porque a ordem já mudou, as regras serão outras.. Mudamos para a sala onde eu, pelo menos, só fiquei até as 3 da madruga. Era dia da semana, mas ninguém lá se importou com isso. Mariana ficou sentada, com aquele sorriso de criança, o sorriso mais divertido que conheço, já que é um sorriso que esta pronto para tudo, se maravilha com tudo, e requere que aqueles presentes se entregam a ela. Ela comandou a noite, decidiu quem tinha que beber mais, quem tinha que dançar, falar, e até coordenou um debate sobre assuntos ligados a minha pessoa. Nestas ocasiões eu fico admirado, vejo toda aquela alegria, o respeito e carinho dos filhos com ela e percebo que estamos numa casa no meio de Diadema, numa festa profana, mais que não ha nada mais sagrado que o respeito, amor e boa vontade entre velhos amigos. Me senti lisonjeado que me incluiram naquela noite, algo que tentei transmitir depois para o Pai Francelino, que não costuma dar resposta a este tipo de comentário, e não abriu excessão comigo.
O lado 'profissional' de Pai Francelino talvez era seu lado mais conhecido, desde sua marcha na Paulista contra a TV Record, até seu papel na INTECAB e FUCABRAD. Não sou académico, mas reconheço uma mente brilhante quando a vejo, e assim foi quando ele apresentou um papel que escreveu sobre 'Tronos' para uma exposição que organizei em Diadema. Eu pensei que ele ia improvisar um discurso, mas tinha preparado um artigo de várias páginas, repleta de observações, fundamentos e outras informações. Enfatizou o conflito interno que se da pelo trono de uma casa. É uma grande pena que ele não escreveu e publicou mais. Fico feliz que Mãe Sandra de Xadantá, uma pessoa com afiado e divertido senso de humor, enfim, uma pessoa que encarna muito do Pai Francelino, tomará conta de sua casa.
Muito Axé para ela e para os outros filhos, netos e bisnetos da casa.

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